DOMINGO DE PÁSCOA EM FAMILIA
DOMINGO DE PÁSCOA EM FAMILIA
JOSÉ FERNANDO MENDES
Nesta páscoa de 2025, com um belo e esplendoroso sol, fazendo um dia como sempre é nessa data festiva, recebi, na minha casa, meus três filhos. O mais velho veio com sua esposa e minhas duas netas; minha filha veio com o marido e o enteado, que não ficaram pois foram visitar a mãe em outra cidade, ficou apenas minha filha que não trouxe a neta, sua filha, pois foi, com o namorido visitar a vó do mesmo em uma cidade litorânea; e o meu filho mais novo, que é solteiro.
A conversa rolou solta, sobre vários e diversos assuntos. Sugeri bebermos uma caipirinha de vodka com limão feita pelo meu companheiro, especialista em caipirinha, embora não beba, mas faz pra mim todo domingo. A caipirinha foi solicitada, de vodka com limão colhido direto do pé no fundo do terreno, onde fica o galinheiro, com algumas galinhas e outras árvores frutíferas. Meu filho foi junto comigo e os colheu, então aí já começou o momento das lembranças de quando vínhamos para a casa do meu pai – que morava nesse terreno; eram outras árvores, eram outras galinhas, era outra situação, eram anos e anos atrás, eles, meus filhos, eram pequenos e frequentemente passávamos o domingo com meus pais, que recebiam meus outros irmãos com seus filhos e filhas. As recordações brotam de dentro do nosso pensamento, das nossas imagens e do nosso coração nos fazendo nostálgicos. Ele relembrando situações com meu pai que tinha um cuidado extremo com as árvores frutíferas, e as cuidava como se fossem suas filhas. Levamos os limões e meu companheiro fez a caipirinha – ele tem mãos especiais pois é a melhor caipira, bem feita com carinho e muita dedicação – que ia de mãos em mãos e todos elogiando de tão deliciosa que era.
Os assuntos surgiam e iam se desenvolvendo, se desenrolando enquanto o fogo na churrasqueira ia sendo ateado e eu no preparo das carnes que já estavam temperadas, bastando apenas esperar para que o fogo ficasse em condições de espetá-las para começar o tão esperado churrasco. As risadas eram muitas e os olhares lá no fundo buscando as recordações das situações que vinham à tona, fazendo-nos lembrar de momentos que nunca mais voltarão, a não ser na memória, na lembrança de cada um.
Como é bom, como é maravilhoso relembrar os momentos de nossas vidas, mesmo alguns não muito bons, mas que foram importantes para o nosso desenvolvimento e crescimento como pessoa, como indivíduo e como família.
Interessante como sempre que há encontros entre os entes familiares, as histórias vêm à tona e ficamos o tempo todo praticamente as relembrando, mesmo que já repetidas vezes foram lembradas, foram discutidas, foram colocadas na pauta e tantas risadas e até mesmo choros, não de tristeza, mas de saudosismo, de saber que o tempo passou e que nunca mais o teremos de volta.
Entre a correria de preparar o almoço – que já havia deixado pré preparado, exatamente pensando que queria dar atenção a todos e não ficar na volta do fogão – ia recebendo a todos. Eles chegaram tarde, foram chegando cada um no seu tempo e assim a manhã foi se transformando em tarde. Eu me distribuía entre os afazeres e organização, colocando todos a trabalharem – bem meu feitio – além de dar atenção para as netas, uma jovem adolescente com seus olhos perscrutadores, tímidos mas fulminantes e com pouca conversa, mas eu passava por ela e a abraçava, dava-lhe um beijo na cabeça, na testa, na bochecha e na outra, de três anos, brincava vagamente com algo que ela estava a fazer, e conversava como criança que quer conquistar a outra criança para uma amizade momentânea, mas logo tinha que seguir meu curso pois alguém me chamava para fazer algo, para dizer algo, sugerir isso ou aquilo. Entre uma passada e outra pela nora, dava-lhe um abraço fugaz mas sincero e trocávamos algumas palavras profundas – minha nora é a pessoa que mais diz das minhas verdades. Meu filho foi tomando conta da churrasqueira revezando com meu companheiro que tinha outras coisas a fazer. Assim foi minha correria, irradiando felicidade. Estava muito feliz pois estávamos todos em harmonia e em paz. Era a primeira vez que me sentia na plenitude da felicidade com todos eles juntos.
Outra caipirinha foi feita e nós degustando-a, ajudando a destravar a língua e fazendo com que as palavras fluíssem aleatoriamente e as risadas cada vez mais altas e soltas deixando o ambiente absolutamente tomado de alegria. Assim todos nós estávamos. O churrasco quase pronto. Mesa posta. Todos, depois de algumas chamadas e avisos preocupados do filho mais novo de que a carne já estava secando, mas eu tinha tanta coisa ainda para mostrar, tanta coisa para dizer a todos, a cada um na sua importância que são para mim, que a carne era um detalhe. Sentamo-nos à mesa e começamos a nos servir. Eu nem lembro o que comi, pois a conversa era tanta que só ia servindo e comendo, mais falando do que comendo. Todos elogiando tudo, pois tudo havia sido feito com muito carinho, muito amor, muita dedicação.
Minha neta de três anos, comendo, ao meu lado e pedindo o bolo. Havia mostrado para ela um bolo que havia feito em homenagem ao meu filho mais novo que estaria de aniversário na sexta-feira da semana que seguiria. Fiz um bolo, pão de ló de chocolate com recheio de creme belga com pêssegos e cobertura de glacê italiano, com bastante glíter bem brilhoso, porque criança gosta de brilho; tudo sem glúten decorado com docinhos de brigadeiro, que havia feito, para que todos comessem e principalmente a pequena que gosta muito. Fomos conversando com ela, enrolando-a para que comesse, prometendo que logo iriamos dar o bolo para ela.
E assim aconteceu, tão logo ela percebeu que todos haviam parado de comer lá veio ela dizendo: ‘agora o bolo’, olhando para o pai dela e pra mim de forma fugidia e disfarçadamente. Eu logo levantei, peguei o bolo da geladeira e o coloquei sobre a mesa. Enquanto isso, iam retirando as comilanças da mesa e colocando-as onde conseguissem para dar espaço para o bolo , que era pequeno, mas o bolo sempre tem que ter seu espaço único. O olhar de felicidade dela fez valer a pena todo o esforço e trabalho que tive ao executá-lo. ‘Eu amo brilho’, não comentando e nem se importando que o bolo havia ficado meio torto porque ainda estou me acostumando a cozinhar sem gluten, mas assim são as crianças, elas não veem defeitos, elas veem o que lhes interessa e o que gostam. Quando ela falou isso meu coração disparou e minha felicidade foi mais plena ainda, pois a sua carinha, com sorriso nos lábios e seus olhinhos radiantes me dizendo aquilo foi demais. Só não chorei porque estava feliz demais para que isso acontecesse. Então eu disse pra ela: ‘eu sei que tu gostas de brilho, por isso o vô Careca colocou bastante brilho e bastante brigadeiro pra ti’. Tive que remendar e comentei: ‘esse bolo fiz pra ti’ – mostrando e chegando perto do meu filho para mostrá-lo. Coloquei o bolo na mesa e fui buscar as velinhas 3 e 1, verdes, com glíter também. Coloquei-as sobre o bolo, solicitei que meu companheiro as acendesse e assim iniciamos a tradicional cantoria do parabéns a você. Ela cantava feliz, batia palmas e cantava, com aquela vozinha rouca mas em tom correto e palavras corretas. A cantoria do parabéns acabou e ela imediatamente, com um olhar decidido: ‘Quero bolo’. Lógico que tratei de cortar o bolo e o primeiro pedaço, que deveria ser para o aniversariante, foi pra quem? Para aquela garotinha que aguardava ansiosa pelo bolo.
Comemos bolo com refrigerante. Meu companheiro foi lavar a louça – que era muuuuiiita – e a nora ajudando-o, secando e guardando. Os dois conversando. Lindo de ver.
A hora passava das 15h. Conversávamos avivadamente sobre tudo, até que veio à lembrança dos filhos o tempo das correrias que faziam por aqui. Então meu filho sugeriu: ‘Vamos lá no cais? A gente ia muito lá pescar’. Todos concordaram e então fomos ao tal cais. Durante o caminho fizeram guerrinha de mamona e muita conversa com muitas gaitadas (risadas, para quem não conhece esse termo gauchesco), muitos abraços. Quase perto do cais passamos pela entrada da maior empresa , siderúrgica, da cidade e mostrei a eles (já havia mostrado e comentado sobre, mas a ocasião era outra e fazia muitos anos, então repeti) a entrada pela qual eu fazia o percurso para chegar até o meu trabalho, tinha eu na época 15 até os 20 anos. Passamos por um encanamento com canos de grandes dimensões então surgiu outra história que lhes contei de quando pequeno, eu e meus oito ou nove amigos entrávamos naqueles canos, tinha uma água forte que escorria vindo lá de dentro da siderúrgica. Nós ficávamos deitados naquela água deixando a água parecendo ser uma cachoeira, bem forte, volumosa sobre nossos corpos, sobre nossas cabeças. A farra era grande. Brincávamos diariamente ali, pelados, para que nossas mães não ficassem sabendo da arte, do que fazíamos. Contei-lhes sobre a aventura e desafio que propus aos amigos de atravessarmos aqueles canos imensos e escuros que dariam no pátio da empresa. Muito tempo levamos para que conseguíssemos realizar essa aventura, e eu fui o pioneiro, como não poderia deixar de ser. Altas risadas deram. Muitas perguntas me fizeram, curiosos, desejosos em saber como foi, como era, como é. Anos depois fiquei sabendo que era o esgoto da siderúrgica, mas daí tudo já tinha acontecido. Não morri, aliás, nenhum de nós.
Agora são lembranças de um tempo maravilhoso que nunca mais vai voltar, porque passou, e bem passado. Mais adiante chegamos ao cais e novas recordações. Meus filhos comentando, falando coisas que fizeram, por que passaram e eu lhes contei uma proeza que fazia: saltava do mastro, mostrei o local, agora não tem mais, mas tem o buraco onde tinha uma antena na qual eu subia e mais um ou dois apenas que se encorajavam a subir, pois além do cais ter sete metros de altura além da superfície da água do Rio Jacuí, a antena tinha mais uns 5 metros. Pois eu subia e saltava de lá. Até que numa das pontas, não foi tão ponta e eu me senti mal, tiveram que me ajudar a subir. Fiquei com um vergão imenso na barriga e peito. Tudo inchado pela queda. Nunca mais dei ponta em água alguma. Continuei saltando, não mais da antena e não mais de ponta. Saltava com pernas encolhidas e os braços as segurando, quando chegava na água eu as estendia e braceava para chegar à superfície. O rio era fundo, mais de 9 metros. Era lugar onde paravam barcos e navios para descarregar sucatas que vinham para a siderúrgica.
Todos ficavam atentos enquanto que eu lhes mostrava, com gestos, - até mesmo exagerados, para ficar melhor encenado – e lhes relatando detalhadamente como foi e como era. Lembrava de detalhes, sentia-me verdadeiramente como se estivesse vivendo aquele momento, como se um filme tivesse sido rodado e estivesse vendo como foi o salto. Faziam comentários, perguntas e expressões de surpresa e espanto. E assim ficamos por mais de duas horas lembrando de pescarias, de banhos no rio que na época a água ainda era propícia e muitos assuntos surgiam e aquele rio calmo, tranquilo, observando a tudo, a tudo escutando e relembrando junto pois ele era o motivo de estarmos lá e estarmos lembrando de tantos momentos encantadores e inesquecíveis. Momentos simples, singelos, mas eternamente importantes para nossas vidas. De todos nós. Meu companheiro também contou alguma história da época de guri lá em Floripa, para não se sentir deslocado. Ouvíamos mas logo voltávamos às nossas histórias, que eram muitas. Lhes contei das vindas ao cais para namorar com a mãe deles sem contar certas coisas que não era permitido por terem duas crianças por perto. Mas a malícia foi plantada e os risinhos e olhares aconteceram.
Uma lanchinha vinha lá ao longe e ficamos observando as marolas do rio. Quando ela passou com um homem e duas mulheres, abanamos e gritamos alguma coisa, eles responderam e logo sumiram naquela imensidão do rio caudaloso e profundo. O sol não ardia nossa pele porque estava lindo, imperioso e suave para nos permitir ficarmos aos seus cuidados e sentindo-o nos aquecer. Mangas foram arregaçadas, mas confortáveis ficamos com o esquentar do sol e da conversa acalorada e muito divertida. Nisso chegam uns primos deles, mais novos, bem mais novos, na verdade filhos de uma prima e então começou a engrenar conversa.
Voltei para casa e os deixei ali. Fui preparar algo para que comessem quando voltassem. Levaram mais de uma hora para retornarem. Até pescaram com os primos. Tomaram um cafezinho rápido e muita água. Logo inventaram de irem no bairro onde morávamos quando eles eram pequenos. Eu fiquei em casa e eles foram. Voltaram com muitos questionamentos sobre a casa, muita conversa rolou sobre quando morávamos lá e assim as histórias continuaram. Logo a seguir o marido da minha filha e seu filho chegaram e ela começou a relatar para ele tudo o que rolou. Até que alguém deu a ideia de fazermos uma brincadeira dos braços entrelaçados. Gostei muito e assim ficamos por muito tempo ensaiando. Até que demos uma parada para comermos pão de queijo e pedaços de uma torta salgada que havia feito na sexta feira, com café, refrigerante e água.
A conversa não parava nunca. Não havia momento de silêncio,. Não existia pausa. Esse encontro não acontecia há muitos e muitos anos, portanto, tinha que ser aproveitado ao máximo.
Voltamos à brincadeira e muitas risadas e comentários eram dados. Uns culpando aos outros pelo erro, e eu, como sempre, quando é algo sobre coordenação motora, sou o primeiro a cair fora. E assim foi. Todas as vezes que brincamos, depois das várias rodadas de testes, sempre eu fui o primeiro a sair por ter errado, por precipitação ou desatenção. Mas o que importava mesmo era a risada e os comentários que não se ouvia de nenhum porque todos comentavam e riam ao mesmo tempo. O importante era falar, gritar, rir, dar risada. O ambiente era agradável. O volume era adequado aos ouvidos, à alma, ao espírito.
Alguém olhou para o relógio na parede e percebeu que já passava das 21h, e assim foram acabando com a rodada e foram levantando, se ajeitando e se preparando para a ida de volta às suas casas. Minha filha e o mais novo em Porto Alegre e o mais velho com a família teriam que ir até Novo Hamburgo, bem mais longe. Enquanto se arrumavam comecei a encontrar coisas para eles levarem – o que sempre faço. Dei geleia de framboesa que eu fiz, colhidas no pátio, para minha nora; para meu genro perguntei se ainda tinha da outra vez que estiveram aqui e ele sempre leva. E outras coisas mais fui distribuindo. As despedidas começaram. Os abraços e comentários ao pé do ouvido. O que mais lembro e gosto de lembrar são das palavras de todos do dia maravilhoso que passamos juntos. Isso jamais esquecerei. Foram indo em direção aos seus carros, mais abraços acontecendo, mais declarações de amor, de amizade, de alegria, contentamento. Não queríamos que acabasse. Eles se foram com a promessa que voltariam o mais breve que fosse possível.
Acompanhei, com meu companheiro ao lado, a partida deles, o carro andando e sempre algo a ser dito. Acenos e olhares agradecendo por aqueles mágicos e reais momentos passados naquele domingo de páscoa, domingo de renascimento.
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