TEMPESTADE DE DEGRADAÇÃO
TEMPESTADE DE DEGRADAÇÃO
As nuvens cinzentas pairavam
sobre a cidade, dando um ar triste e melancólico, com uma visão monstruosa e
degradante, como se todos os fantasmas tivessem baixado naquela hora para
falarem das coisas que estavam acontecendo por ali.
Era o vento que assobiava
fortemente nas árvores caducas e já sem folhas pelo tempo. Eram os prédios encharcados
pela chuva que cessara recentemente tirando mais ainda a pintura que já se
descascava pelo desgaste ocasionado pelo cansaço de aturar as intempéries
daquele clima pavoroso que se fazia ultimamente na vida das pessoas daquela
cidade.
A cidade chorava convulsivamente,
mas nenhum de seus moradores, temerosos com a tempestade, apareciam.
As pessoas, dentro de suas casas,
velhas, rotas, não olhavam e nem mesmo colocavam um dedo para fora, muito menos
a ponta do nariz. Não queriam olhar as ruas com poças de água e muita lama, oriunda
de suas próprias vidas.
As árvores, que um dia já foram
floridas, frondosas e alegres, morrendo lentamente abarrotadas pelo tempo e
pela insignificância de seu povo que não as valorizavam.
Todos temiam a cidade. Todos
temiam a tudo. Todos temiam a si mesmos.
As ruas se faziam mais escuras ainda
pela falta de iluminação. As lâmpadas quebradas pelo vento forte que balançava
os arqueados e velhos postes que não suportavam e assim quebravam-se. Eram
estalidos um atrás do outro. Via-se as luzes indo pouco a pouco ficarem mais
escassas, deixando o breu da noite sinistra e avassaladora invadindo todas as
ruas, tornando-se cada vez mais uma cidade fantasmagórica.
As casas desapareceram. Não
avistava-se nada de tão escura e obscura, que era a noite com prenúncio de uma
tempestade. Aquele nevoeiro que já não era mais costumeiro, voltou a se
apoderar e baixar sobre a cidade, tornando-se cada instante mais turvo, fechado
e pairando sobre tudo e contra todos, deixando-a completamente imersa no breu.
O nevoeiro chegou, abriu a porta
e sentou-se, mesmo sem ser convidado. Tragou um grande gole de prazer daquela
cidade abandonada pelos seus próprios tementes e covardes moradores. Bebeu no
copo de cada um deles, sugando o restante que ainda havia de integridade,
inundando-os em seus pensamentos enevoados.
Agora eles brigavam amigavelmente
e sorriam entre si: o nevoeiro, a chuva e o vento. Eles queriam assustar, e já fazia
efeito. Todos os moradores, assim como todas as nesgas de luzes que podia-se
ver através das frestas das janelas mal fechadas e algumas paredes mal
colocadas, além de empenadas pelas chuvas e avariadas pelo tempo, apagavam-se
repentinamente como numa resposta àquele desafio proporcionado pelo nevoeiro e
vinha acompanhado da tempestade, invadindo suas vidas, destruindo suas casas.
O homem, o ser humano, estava se
deixando levar pelo próprio medo, pela falta de integridade e coragem. Se
degradando pela sua própria incapacidade de saber se superar.
Todos gargalhavam, desdenhavam
dos homens, invadindo suas casas, tomando posse de suas vidas, de suas almas,
da integridade de cada um; enquanto eles choravam dentro de suas casas. A cidade
ficando cada vez mais triste e melancólica, entregue aos caprichos da natureza
que se rebelou diante de tanta transgressão humana.
Agora o vento soprava forte
levando para longe todos os pensamentos que ainda restavam sobre as pessoas.
Elas não tinham mais nada. Nada lhes restava. Eram apenas corpos, sem alma, sem
valia alguma.
A cidade estava arrasada.
E assim se passou toda a noite,
até chegar o amanhecer e o sol tomar seu lugar, queimando o que restava da podridão
das pessoas que jaziam sobre seus leitos mofados e molhados pelas próprias
culpas e incapacidades, pois toda a dignidade havia sido devastada pela
tempestade de degradação.
Era mais uma retratação do tempo
juntamente com a natureza, para mostrarem às pessoas o que acontece quando não
valorizam o que tem e muito menos o que são.
(texto escrito em 29/11/1980 com algumas adaptações em 16/06/2024)
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