Conto: O MISTÉRIO DE INFÂNCIA
O MISTÉRIO DE INFÂNCIA
Eu tinha 13 anos, meus primos e
primas entre 14 e 9; estávamos entre seis, e começamos a brincar de escutar
vozes e coisas estranhas que aconteciam, principalmente à noite, ou em lugares
abandonados ou ermos. Minha prima disse que sabia de uma atividade, não era
brincadeira, era algo que ela tinha visto uma amiga da mãe dela fazer. Me
pediu, como dono da casa, um copo e um caderno e caneta para poder escrever as
letras do alfabeto, a palavra SIM e NÃO. Assim começamos todos a ajudar na
execução da tarefa, para irmos mais rápido à tal brincadeira que não era
brincadeira. A gritaria e a bagunça era generalizada, os ânimos já começavam a
se exaltar, e ela, a experiente, pois já havia visto algumas vezes a realização
da atividade, começou a falar que o avô dela, por parte de mãe, baixou, não
apareceu mas fez perguntas e falou coisas através das letras e do copo. Começamos
a ficar excitados com tamanha expectativa de algo sobrenatural, deveria ser
legal. Assim eram os comentários.
Minha prima experiente,
distribuiu em círculo as letras, no chão, e as palavras sim e não no meio do
círculo e o copo no meio delas. Nos orientou a ficarmos em círculo, com as pernas
cruzadas e bem quietos, pois nenhum sussurro poderia ser emitido porque o
espírito não baixaria, espantaria ele e ele iria embora. Os cochichos se
formaram até que ela nos orientou a nos darmos as mãos e fecharmos os olhos
para que nossa concentração e força do poder da mente (palavras delas) pudessem
se elevar ao céu – que naquele momento não tinha sol, já estava querendo
anoitecer; era uma noite de meia estação de outono, e assim nos concentramos,
mas um ou outro dava uma risadinha, ela ralhava, com eles e prometia tirá-los
da atividade se continuassem assim.
Assim, a coisa foi ficando mais
séria, nossas mãos suando, mas grudadas, agarradas uma às outras, e ela começou
a falar umas coisas estranhas do tipo:
- Tem alguém aí? Algum espírito
querendo vir falar algo para nós? Pode chegar.
Todos de olhos fechados para que
não estragasse o momento, e também pelo medo da evocação dos espíritos de
mortos (já sabíamos porque ela havia nos relatado o que aconteceria se desse
certo).
Silencio total. Nada se
movimentando, nada sendo feito, só o medo em cada um de nós pelo que poderia acontecer.
Ela falou tudo de novo, e na
terceira vez que ela falou as mesmas palavras, com mais convicção e todos nós
bem quietos, borrados de medo, mas querendo ver o que aconteceria.
Nenhum barulho, nem lá fora,
silencio mortal. As luzes apagadas e a noite chegando, o ambiente bem propício
para aquilo, pois ao abrirmos os olhos ao mando da prima, percebemos que estava
ficando até frio. Sentia as mãos dos primos que estavam segurando as minhas com
uma força descomunal – medo é assim, faz a gente ter o que nem sabemos que
temos – e ela continuava com a chamada de alguém, sem citar nomes, apenas
chamava.
Ela mandou que colocássemos a
ponta do dedo anelar sobre o copo, sem forçar, apenas encostar de leve, até
sentir que está encostando no copo. Assim o fizemos. Alguns tremiam como vara
verde. Começamos a rir, e fomos firmemente repreendidos.
Até que o copo começou a se mexer,
e o pavor tomou conta. Aguentávamos firme, e o copo começou a andar de um lugar
a outro.
Ela perguntou: Tem alguém aí? E o
copo foi em direção ao SIM.
Nos olhamos, apertando as mãos.
Os olhos esbugalhados, as pernas tremendo. Um dos meus primos começou a fazer
cara de choro. Outro de pavor.
A prima que comandava fez com
dedo na boca sinal para ficarmos quietos.
Mas o medo era apavorante de
saber que poderia ter um morto ali no quarto.
Uma das primas se levantou e
disse: - É tu que está levando o copo para ele se mexer. Culpando a prima que
nos orientava e sabia da função toda.
- Claro que não sua boba, eu mal
encosto no copo. Ela disse que não, mas agora já tinha estragado tudo. E mandou
ela ir embora ou se quisesse ficar tinha que aguentar até o final sem falar
nada.
Ela sentou-se novamente, depois
de olhar para todos os lados e o medo de ter que ir embora sozinha era maior.
- Vou tentar, eles não gostam de
serem incomodados. Vocês tem que ficar quietos, nem respirar forte não pode,
Recomeçamos a sessão. Todas as
palavras de novo. E após mais algumas tentativas, o copo começou a se mexer,
mais lento do que antes, mas se tremia todo. Ela perguntou:
- Tem alguém ai querendo falar? –
O copo foi em direção ao SIM novamente.
- Quem é? Pode dizer seu nome? –
Ela perguntou de olhos fechados e nós de olhos arregalados, apavorados com o
que estávamos vendo.
O copo foi em todas as letras
para dizer seu nome – que não lembro agora, mas era o nome do vô dela e da irmã
que estava ali conosco também. Elas nem o conheceram porque morreu há muitos
anos.
- É o nosso avô fulana, ela
disse. A fulana começou a fazer cara de choro, mas aguentou firme.
- O que o senhor quer? O copo parado.
- Vô, o que o senhor quer me
dizer? Porque veio até aqui?
O copo começou a ir rapidamente
de letra em letra formando palavras, dizendo que estava com saudades da esposa
dele, no caso, a vó delas, que ainda era viva.
- Ela está bem vô, sente saudade
do senhor também.
Nova parada. Então ela perguntou?
- O senhor está no céu? – Ele
respondeu, de letra em letra, que não, estava num lugar muito escuro e frio.
Vocês vão sentir onde estou.
E começamos a tremer de frio, e a
escuridão da noite cada vez maior, apenas alguma claridade da rua que entrava
pela janela que permitia que nos
víssemos.
Do nada, uma porta bateu e uma
veneziana da janela se fechou. Levamos um susto e todos sussurramos palavras de
susto, de pavor mesmo. O ar continuava
gelado.
Eu disse: - Vou acender a luz.
Minha prima repreendeu e disse que não, ia assustar o avô e ele iria embora.
- O que mais o senhor precisa?
Novamente a resposta veio: -
Oração! Rezem por mim.
Quando meu primo menor escutou
minha prima ler, então levantou de um salto e disse que era tudo mentira e
começou a chorar convulsivamente.
- Vô, tu ainda está aí? Perguntou
várias vezes, e nada. Então se levantou e começou a xingar o primo menor que
tremia e chorava de medo.
- E agora, o que acontece com o
espírito? – Eu perguntei
Ela disse: - Às vezes eles ficam
no ambiente por um tempo e demoram pra irem embora.
- Bah. Mas como eu vou dormir
depois disso? E se ele estiver aqui ainda?
- Daí não sei, mas agora temos
que ir embora pra ver se ele vai também.
Saímos todos correndo. Acendi a
luz, Nada eu vi, mas o medo persistia.
O frio se intensificava, o ar
gélido e o silêncio mortal nos amedrontava.
Todos foram embora e eu fiquei
sozinho, enfrentando o que poderia vir a acontecer. Desmanchei o cenário, e
logo minha mãe chegou, me aliviando e fui me acalmando aos poucos. Ela percebeu
pelo meu rosto e pelo meu jeito agitado que algo tinha acontecido.
- Onde estão teus primos? – Foram
embora, respondi.
- Mas era para eles ficarem aqui.
O que aconteceu?
Ela insistiu, chegou perto de
mim, pegou no meu rosto e eu não tinha como mentir ou omitir, relatei pra ela
tudo que tinha acontecido e até os barulhos da porta e da janela.
Ela deu risada e disse que era
tudo fruto do medo. E que aquele copo não poderia ter se mexido porque isso não
existe. Mas eu tentei argumentar, e ela conseguiu me acalmar, me deu janta e
logo fomos dormir. Pedi para ela deixar a luz da cozinha acesa, para não ficar
na total escuridão. Logo meus irmãos chegaram e meu pai. Ela não falou nada a
eles e eu fiquei mais tranquilo com isso.
Mas nada me tirava da cabeça o
que havíamos visto. E o sono não vinha, apenas aqueles pensamentos, e
imaginando que o vô das gurias poderia estar alí. Olhei para meu irmão mais
velho, dormia relaxadamente. Eu fiquei a noite acordado. Claro que não, achei
que fiquei, e isso serviria de mais conversa logo mais com meus primos.
Quando raiou o dia, tomei café e
fui encontrar no pátio com meus primos e os comentários eram diversos, a farra
era imensa. Mas nada nem ninguém disse o contrário de que era tudo verdade que
tinha acontecido.
Até hoje ainda é um mistério
aquilo que aconteceu.
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