UM SONHO ANGUSTIANTE (CRÔNICA)

 UM SONHO ANGUSTIANTE

Nessa noite, mais precisamente, madrugada, acordei com sobressalto e não conseguia parar de ver as cenas que povoavam meus pensamentos, mesmo depois de acordado, de um sonho, não chegava a ser um pesadelo, mas era um sonho angustiante que me tirou o sono. Já tive sonhos parecidos, e pelo cenário, no mesmo lugar, ou seja, um sonho recorrente e por isso perdi o sono, pois sabia que ele voltaria, dando continuidade àquela tortura.

Como todo sonho, começa de uma forma estranha, simplesmente do nada eu estava, com minha esposa (hoje ex) numa encruzilhada, no breu total, sem lâmpadas acesas nos postes, nem mesmo das casas vinham qualquer iluminação, era escuridão mesmo, que não sabia nem como seguir, nem mesmo para onde caminhar. Minha esposa começou a caminhar a esmo e eu fiquei estático, apenas girando em torno de mim mesmo observando, tentando ver algo que me pudesse servir de referência, mas nada era tudo o que tinha. Nem o formato das casas conseguia perceber de tanta escuridão. Olhei para o céu completamente tomado de nuvens escuras e obscuras, temerosas, ameaçadoras e amedrontadoras. Um calafrio passou pelo meu corpo e decidi caminhar, já não via mais para onde ela tinha ido, não conseguia enxergar nada além de um passo de mim. Meus pensamentos eram redontórios, não tinham sentido, não tinham começo nem fim, não conseguia entender nada do que pensava, se é que pensava, porque o medo nos faz sair de nós mesmos e nosso corpo reage de várias formas, o meu tremia por medo e calor, suava, sentia frio, tudo ao mesmo tempo, sem dar tempo de me recuperar para agir de alguma maneira e sair daquela escuridão.

Ao longe vejo uma luz que vem aumentando, se aproximando lentamente, mas vem, e isso me dá um refrigério e uma esperança de que alguém vai me tirar daquele sufoco, daquele suplício, que não entendia porque estava ali, como fui parar ali. Ao se aproximar percebi que era uma lotação, uma van, que transporta pessoas entre bairros da cidade. Fiz sinal para que parasse. Parou. Abriu a porta, quando cheguei perto da porta o motorista já falou de forma rude, seca e sem sentimento algum:

- O que o senhor está fazendo aí nessa escuridão?

- Não sei como vim parar aqui, estou precisando de ajuda. Respondi com voz trêmula.

- Mas eu não posso ajudar, se vira. Fechou a porta e arrancou, me deixando no mesmo lugar.

Comecei então a caminhar para algum lugar. Para não ficar parado e conseguir parar de tremer de frio, embora não estivesse frio. Me deparei com minha esposa que estava acompanhada de outra mulher, mas me ignoraram e sem palavras, sumiram no breu da madrugada. E eu ficando sozinho novamente, por um longo período infindável.

De outro lado outra luz surgiu, e abriu-se em mim um resquício de esperança de alguém que teria a caridade de me ajudar e me tirar desse pesadelo. Mas passou rápido e nem percebeu que eu levantava os braços e tentava pular, mas nem isso conseguia fazer, estava grudado, plantado no asfalto.

Sentei-me no meio fio da rua e ali fiquei por não sei quanto tempo, até que escuto ruídos de algo parecendo com, tentava identificar mas meus pensamentos ensandecidos não conseguiam se concatenar com nada, até que surge à minha frente uma bicicleta e era meu irmão que chegava com uma sacola grande e me passou:

- Pega essa sacola, tem um presente pra ti aí dentro. Eu segurei a sacola  e pedi ajuda:

- Me ajuda, me tira daqui. Ele nem sequer escutou, montou na bicicleta e desapareceu na escuridão.

Abri a sacola e dentro dela tinha uma criança, recém nascida, peguei-a no colo, ela começava a chorar. Olhei nos seus olhos cor de mel, bem claros e chorosos, pedindo ajuda, tanto quanto eu, então a aconcheguei no meu peito, envolvendo-a no meu corpo e nos meus braços, que tomavam força para superar meu medo, meu frio, meu desespero e poder dar o que aquele bebê precisava, muito mais do que eu.

Além do bebê havia um outro saco transparente contendo cinzas cinzas que não conseguia entender do que seria e porque estavam ali junto com aquele bebê. Mas assim fiquei sentado com o bebê no colo que se acalmou e dormia tranquilamente, enquanto que meu medo também se fora e conseguia pensar melhor no que fazer, coisa que não estava conseguindo porque o medo quando toma conta de nossos pensamentos, nada mais funciona, tudo para, tudo se desvanece, tudo se complica e se confunde. Agora estava me sentindo seguro, útil. Alguém precisava de mim e eu tinha que ser forte para mantê-lo vivo e protegê-lo de qualquer situação que o pusesse em perigo.

Uma outra luz surgia ao longe, eu me levantei e fui para o meio da rua, na tentativa de fazer com que o carro, provavelmente era um carro, parasse e me desse ajuda, que provavelmente teria visto que veriam estar com uma criança no colo. Quando a luz chegou perto de mim, antes de parar, eu acordei.

Sentia meu coração batendo apertado, minha respiração era difícil e fiquei remoendo cada cena daquele sonho. Levantei, fui ao banheiro, deitei-me e meus olhos não se mantinham abertos, mas meus pensamentos não me permitiam dormir. As cenas voltando e voltando. Até que adormeci e o sonho voltou, da mesma forma, igual e se repetiu, até que acordei e não dormi mais, ou até dormi, não sei, mas os sonhos angustiantes apagaram-se.

Estou conseguindo transcrever o sonho porque foi repetitivo, porque o normal é eu não sonhar, e quando sonho, não consigo nem relatar, porque se confundem nos meus pensamentos. Esse sonho consegui relatar porque foram claros demais, todas as cenas, tudo que transcrevi era muito vivo, muito real, e ainda estão, mas não ligo, logo estarão esquecidos, afinal, foram apenas sonhos.

Eram sonhos apenas, e isso não me preocupa, nem fico matutando sobre o que pode ser. Mas, se alguém que consegue interpretar os sonhos, por favor diga-me o que pode ser esse sonho? Algum aviso? Alguma premonição? O que pode ser? Ou não é nada, é apenas minha mente que viaja por todos os recônditos da imaginação fértil que sempre tive.

(texto/crônica  escrita em 28/11/2023)

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