QUEM SOU EU? ( crônica)
QUEM SOU EU? (uma reflexão sobre a condição humana)
Manhã de inverno, igual
as outras, chuvosa e fria, com aquele ventinho que assovia aos ouvidos e nos
faz tiritar de frio, com a chuva sobre os corpos.
A chuva é bela e fria,
de vez em quando seus pingos engrossam e me fazem mais molhado ainda, e eu
caminhando, sempre caminhando. Não sabia aonde ir, só via eu na rua, e nada
mais. As pessoas não eram para mim, mais que meros obstáculos que deveria defender-me
para não sujar-me, pois elas estão sempre sujas, mesmo estando limpas, e até
mesmo com a chuva caindo sobre elas. A água da chuva, que é pura, não consegue
limpar suas mentes e nem suas almas do mal e da crueldade.
Eu, assim como os
outros, posso ser o mesmo obstáculo sujo, para outros que eu considero
obstáculo.
A chuva continuava a
cair, eu já estava completamente encharcado, começava a sentir-me mal, apurava
o passo e parecia cada vez mais longe, mais distante, e cada vez mais
obstáculos haviam na minha frente.
Não me aguentava mais,
meus olhos caiam num impulso involuntário. As pálpebras pesavam com a poça d’água
formada pela chuva e que o vento tirava, mas que ela novamente se formava.
Minhas pernas
caminhavam sozinhas, soltas, meu corpo não as acompanhavam, não era mais eu,
não sei quem era, talvez um obstáculo qualquer.
Passavam carros, e a
chuva caindo; passavam ônibus, e a chuva caindo; passavam pássaros, e a chuva
caindo. Os carros com seus para-brisas expelindo as águas da chuva para que seu
condutor pudesse dirigi-lo, e sua buzina berrando, um som estridente, que era
prolongado mais e mais com a ajuda do vento friinho que pairava no ar; a chuva
caindo.
Das casas via-se os
rostos assustados das pessoas olhando para os transeuntes que corriam
atabalhoados; para os carros apressados e berrantes. De seus rostos via-se a
expressão de desespero e de angústia, quando deveriam estar felizes, por terem
um abrigo e não estarem ao relento, na chuva com aquele fio horrível.
Minhas mãos não mais se
moviam, os dedos empedraram-se, as unhas estavam roxas. O frio, cada vez mais
intenso, me aniquilava. A chuva cada vez mais forte, me molhava.
As árvores retorciam-se
todas, pareciam que queriam dizer alguma coisa, e eu não as entendia naquele
desespero.
A chuva continuava a
cair, agora mais fraca, e o vento mais forte. Sentei-me na calçada para que o
vento não me levasse junto com ele para o não sei aonde. O chão estava molhado e eu me senti mais
encharcado ainda, começava a pensar na minha vida, um retrospecto repugnante,
mas de valor. Mas que valor? – Sou gente e tenho alma, alma pura, e este é o
maior valor, apesar de não ser muito importante e muito menos valorizada hoje
em dia.
Pensava em como mudar a
minha vida, meu passado. Ali, sentado, pensei em tudo, até na maior fantasia que
eu jamais imaginei, pois ali e eu pensei e me iludi, feito uma criança dos
contos de fadas.
Não sentia mais a chuva
cair sobre mim, nem o vento tocando meu corpo. Não sentia mais frio. Minha boca
selou-se e não pude mais abri-la. Minha garganta fechou-se e eu não podia nem
mesmo engolir a saliva. Minha visão estava esvaindo, ia e vinha, tudo era
nublado. Os obstáculos, enxergava-os como pontos minúsculos em minha vida.
Pensava em que, o
quanto eu era insignificante neste mundo. Senti as pernas endurecerem-se e
estaquearem-se. O frio e a melancolia junto com a fome, derrubavam-me pouco a
pouco.
Mas, quem era eu que me
deixava entregar por qualquer coisa? Pensei isto e tentei, mas não consegui,
redescobrir-me, sentia as forças faltarem-me, eu... eu já não era mais... a
chuva? Onde está a chuva? O frio?...
...
Abri os olhos, olhei ao
meu redor e só vi uma enfermeira – deveria ser, pelo uniforme e pela aparência
das paredes, do lugar que observava-. Ela cuidava, controlando um líquido
transparente, que caía de um vidro, por uma mangueirinha também transparente, lentamente,
e pensei que a um simples toque e começaria a cair mais depressa e minha
pressão, ou sei lá o que, não aguentaria e eu não estaria mais neste mundo,
viraria... O quarto todo branco dava um ar de limpeza, um aroma refrescante
exalava de todo ele. Perguntei-me: o que estou fazendo aqui? Quem me trouxe
para esse lugar? As respostas não vinham e nada conseguia falar para aquela
pessoa que me ajudava. Olhei para o lado da janela e vi um lindo tom de
vermelho no céu todo limpo. Era uma linda... seria manhã ou seria tarde? De ...
seria inverno, verão, outono, primavera? E assim adormeci.
Não sei quanto tempo se
passou, mas agora estou aqui e o que me importa é o presente, e não o infame
passado tão sofrido. Mas o que viria pela frente?
Minhas roupas não eram
as mesmas, imundas. Agora eram limpas e perfumadas. Alguém as colocou em mim.
Mas, de onde vieram? Quem as deu?
De repente uma
enfermeira entrou com um carrinho em minha direção, trazendo-me a refeição, com
um sorriso estampado no rosto simpático e gentil. O estranho era que não havia
me dado conta que não mais estava faminto, apenas a fome do momento. Fiquei tão
emocionado com esta atenção toda dispensada a mim que comecei a chorar como uma
criança. A enfermeira deu-me comida na boca. Mas quem era eu para ser tratado
assim?
Terminada a refeição,
não sei se almoço ou janta, porque a janta é servida ainda dia, e eu estava
perdido no tempo. Tentei falar alguma coisa mas nada saía, nem mesmo um
sussurro.
Deitei-me e voltei a
dormir.
Sonhei coisas: com a
humanidade, no conforto, na felicidade e também sonhei com a chuva. Tudo isto
estava no meio da chuva.
Tudo que me recordo dos
dias passados é da grande chuva que caía continuamente, somente da chuva, e
nada mais.
Quando eu sair daqui
não sei se terei algum futuro próspero, ou se voltarei a ser o que era antes de
ter-me acontecido o que nem sei bem o quê. Talvez eu torne a ser novamente um
simples e pobre.. mas...
... QUEM SOU EU?
(texto escrito em 1977)
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