MOCOTÓ

 Uma grande amiga me pediu para escrever sobre o mocotó, por ser uma comida polêmica e tem apenas duas opiniões sobre ele: ou amam de paixão revirando os olhos ao lembrar ou detestam de nojo fazendo cara de vômito só em pensar, e como eu gosto de escrever sobre assuntos polêmicos ela me pediu e está insistindo para que eu escreva sobre essa deliciosa comida que estou doido de vontade de saborear e até fazer, embora seja uma comida bem difícil o preparo, estou pra dizer que é o prato que exige mais tempo de preparo, várias etapas com vários processos de execução para que fique comestível, sem aquele cheiro que muitos tem asco da tal comida por exatamente terem tido uma experiência nada agradável. Realmente é uma comida super deliciosa, saudável e apetitosa desde que sigam os rigores da higiene, com várias etapas de cozimento, limpeza até chegar no ponto ideal de se finalizar e chegar ao tal mocotó que se possa comer tranquilamente, sem pensar em nada mais que o sabor delicioso e o calor que ele vai te causar, te dando mais ânimo, mais vontade de tudo, até de comer mais - eu como no mínimo uns três pratos bem fundos, quando não, quase sempre, uma tigela para não precisar servir servir e servir, até estourar de tão satisfeito e saciado, sim, o mocotó te dá um sentimento de saciedade incrível, diferente da sopa que é só por alguns minutos, ele não, é tão poderoso, tão só ele, que te deixa satisfeito por muitas horas, até de dar vontade de comê-lo novamente. Tem pessoas que viram a cara e fecham o nariz para não ver e não sentir o cheiro que exala da mistura de vários ingredientes que realmente não são de primeira categoria, nem de segunda pois são as vísceras do boi ou da vaca, partes que agora, são vendidas e bem caro mas na época que eu acostumei comer muito mocotó porque era frequente na minha casa exatamente por ser um alimento que os açougues doavam para as pessoas interessadas os ingredientes necessários para fazê-lo, pois colocavam fora que era o mondongo que nada mais é do que o estômago do boi, ou o bucho como muitos chamam e naquela época era nojento mesmo, porque vinha terrivelmente sujo com tudo dentro e eram horas e horas, pelo menos minha mãe levava horas e horas para deixá-lo em condições de consumo. Muita água fervendo com o mondongo, todo alveolado e naqueles alvéolos os resíduos fecais do boi ou da vaca fervendo e o cheiro tomando conta de todo o ambiente, mesmo sendo feito na rua, num fogão de tijolos que depois foi melhorado devido ao intenso movimento semanal, como tudo que fazemos para facilitar e evitar a fadiga à medida que vamos percebendo que o uso é constante e dispendioso, então criamos os métodos mais eficazes para facilitar a execução, seja lá do que for, e assim foi construído um fogão campeiro que passou a ser utilizado para várias coisas além do famoso e costumeiro mocotó, como geleias, ah na época chamava-se chimias, doces variados e tudo que desse para cozinhar, pois a lenha era farta e nem se comprava, bastava ir até o mato logo adiante e trazer braçadas e mais braçadas - nisso eu ajudava, não porque me obrigassem mas porque me dava satisfação de participar com algo ao meu alcance - assim como ajudar da limpeza de todo o material chegado do açougue para a devida higienização, o que eu não tinha nojo algum porque sabia da necessidade daquilo e o quanto era gostoso depois de pronto e era mão na massa mesmo, quero dizer, no mondongo ou bucho, mas meus pais não nos deixavam chegar perto do fogo, era apenas limpeza das tripas grossas por ondem passam os alimentos, coalheira que é onde os alimentos são coagulados para serem enviados ao estomago o tal mondongo ou fato, e as tais famosas e necessárias e mais importantes para que fosse chamado de mocotó as patas dos bovinos - delas que viriam o tal mocotó. Então chegava todo aquele material e nos grudavamos a limpar sempre com o olhar clínico de minha mãe que revisava tudo e mandava fazer melhor - por isso fiquei tão meticuloso em tudo que faço, porque fui muito cobrado por fazer sempre o melhor, fazer sempre bem feito tudo, se não fosse assim, teria que refazer - ou seja, limpar mais porque sempre tinha mais alguma coisa para tirar de tudo. Das patas eram os pelos, as sujeiras porque mandavam com tudo -hoje em dia já vem tudo limpo, por isso são caros porque a limpeza é demorada e exige muito produto para agilizar o processo - e levavamos muito tempo para a tal limpeza ficar ideal, adequada para o final. As tripas eram reviradas do avesso para tirar todo e qualquer vestígio de algo indesejável na ora da degustação, embora a fervura fosse destruir, mas o gosto ficaria e isso não era permitido. Eram muitos cozimentos. Tirava e limpava mais, e enquanto isso outra panela já estava com água borbulhando com as folhas de louro para perfumar, dar sabor e vitaminar, pronta a receber e cozinhar os insumos para nosso maravilhoso e tão desejado mocotó. As patas eram fervidas cansativamente por vários dias, sempre retirando a água e deixando cada vez mais limpa, com cheiros menos intensos, mais agradáveis, mais suportáveis por quem não gostasse da tal iguaria famosa para nós gaúchos. O  mais difícil nas patas era separar as cartilagens que insistiam em permanecer grudadas naqueles ossos - e não podíamos deixar passar nada porque tudo era volume de mais comida e evitar o desperdício. Os cachorros faziam festa, não só os nossos mas os da vizinhança toda porque era muito osso. Eram de 4 a 5 dias de preparo e higienização até que chegasse o dia de cozinhar o feijão branco, que tinha sido deixado de molho de um dia para o outro para amolecê-lo e proporcionar o inchaço para render mais e também tirar o gás que existe em todo tipo de feijão - coisa que na época não se sabia, estou passando uma informação mais recente, embora não muito. E antes de misturar tudo num panelão que eu caberia tranquilamente lá dentro e até me assustava ao chegar perto dele, quando frio, pois quando fervente nem pensar em chegar perto daquilo. Mas tudo era misturado: mondongo, as gelatinas tiradas das patas, as tripas grossas, as coalheiras, naquele caldeirão, e acrescentando muita cebola, pimentão, alho, tomate picados grosseiramente porque se desmanchariam pelo tanto tempo que cozimento por que passariam para se incorporarem e darem consistência e um sabor incrivelmente gostoso demais. Também colocava-se as linguiças picadas, que normalmente eram feitas em casa quando se matava porco. Após os longo cozimento de tudo era o momento de misturar o feijão, que após ser inserido teria que estar misturando seguidamente pois grudava no fundo, poderia queimar e daí o estrago era grande. Todo cuidado era pouco, coisa que sempre vi minha mãe ter e não lembro dela ter perdido ou queimado um que seja. O dia, a hora, o momento da degustação se aproximava, o cheiro era delicioso demais, não era aquela coisa fedorenta de antes e até nos dava orgulho de ter um alimento tão saudável realizado por nós, com custo bem baixo - na época, porque agora um mocotó, como já falei, está mais fácil de fazer pois já vem com tudo quase higienizado e muito caros, super valorizados por saberem que o povo adora - Paneladas eram dadas aos vizinhos, mesmo que nem tenham ajudado, mas naquela época era assim a política da boa vizinhança e também a política de um ser humano que se preze. Aquele panelão durava por muitos dias e ninguém reclamava, que eu lembre, de ter que comer todos os dias a mesma coisa - todos gostavam demais e comíamos com prazer com satisfação e ainda tinham os ovos de galinha de verdade (criadas no pátio) picados e as salsinhas picadas (colhidas da horta), e ficávamos super mega blaster alimentados, saciados e energizados - sim, o mocotó nos dá energia para tudo, até para o sexo, dizem ser afrodisíaco - agora quem não gosta vai começar a comer até se empanturrar e espantar o desânimo sexual e fazer tudo se levantar para a vida que está aí para ser vivida. O mocotó, como falei no início do texto , causa asco e prazer, mas porque mal feito, mal limpo, realmente é insuportável comer. Tive uma péssima experiência quando fui na casa de uma pessoa e os pais estavam fazendo. No portão já senti aquele cheiro nojento e vi de longe um panelão com péssima aparência e todos na volta felizes ansiosos para comerem o que seria o manjar dos deuses deles, e quando cheguei perto me deu náuseas mas segurei firme. Me pegaram pelo braço e me levaram para ver a tal iguaria que estavam fazendo. Sempre fui uma pessoa muito sincera, por isso não consegui falar nada, sai de perto e fui para dentro de casa - estavam cozinhando na rua - e o pior veio: fui o primeiro a ser servido, como honraria. O prato maior, quase uma tigela que pra mim naquele momento parecia mais um caldeirão da bruxa que iria me pegar de jeito. Pois foi. Vieram com uma panela fumegante e encheram o prato e eu dizendo que não colocassem muito que não estava com fome. Que nada, encheram, eu comecei a comer sem respirar para não sentir aquele cheiro forte, típico de coisas mal limpas, e a cor, um marrom escuro, bem escuro, fiquei imaginando por segundos que deveriam ter passado uma água e enfiado tudo a cozinhar. Tive que dar umas colheradas, pois todos estavam à volta observando eu me deliciar, só que não, naquela comida deliciosa que todos já estavam sorvendo de forma gulosa, ansiosamente e esfomeados. Não consegui comer nem a metade do prato. Houveram comentários claro, mas nem lembro o que disse, mas não consegui seguir adiante com a tortura. Anos depois esse acontecimento virou piada de família, mas eu nunca esqueci. Mas nem por isso deixei de comer, sorver um belo, cheiroso e delicioso mocotó. Aprendi a fazer e fiz em casa, meus filhos cresceram comendo mocotó; fiz quando tinha restaurante e era sucesso; fiz numa das igrejas que frequentei, foi o recorde de vendas, se não me engano foram vendidos 328 pratos. Ah, sem ajuda das mulheres e sem colocar batata para engrossar o caldo como muitas pessoas fazem. Muitas pessoas que diziam não gostar passaram a gostar depois que os persuadi a provar. O mocotó faz parte das nossas tradições, mas hoje em dia já não se usa mais as tripas grossas e nem as coalheiras, ficam apenas no mondongo que já vem quase limpo - eu ainda dou umas 3 fervuras com bastante louro-, com as patas que também já vem previamente limpas, mas sempre precisa de um olhar mais meticuloso para evitar que alguém engula ou sinta rasgando na garganta um pelo. Assim é o mocotó amado por muitos e também detestado, por alguns, pelo menos aqui no sul é assim. Mas como em tudo na vida não existe unanimidade então vamos comer mocotó e dar o nosso pitaco, eu pelo menos dou: muito aguado, o cheiro ainda está forte, falta mais mondongo, pouco feijão, não tem gosto de mocotó, falta pata. Muitos comentários aparecem mas a panela esvaziou. E tu sabes fazer mocotó? ou é daqueles ou daquelas que só sabe e prefere comer? Eu confio mais no meu. Bom apetite, e deixe de frescura e coma!

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