AMORAS

 AMORAS

Desde a semana passada (início de novembro/2025), estou na colheita diária de amoras silvestres. Não são aquelas amoras de árvores grandes de folhas grandes, não, são amoras maiores e nos caules delas tem espinhos que arranham pior que unha de gato. Trouxe uma muda de SC, e agora já temos uma produção bem grande pois ela se alastra e temos até que podá-la pois ela vai invadindo todos os espaços que lhes é permitido invadir, sem pedir permissão. A vantagem é que elas produzem bastante frutos. Frutos grandes, que chegam a pesar entre 6 a 9g.

Pois bem, estou escrevendo esse texto porque ao colher agora, há pouco, as amoras no meu pátio, que ficam junto com as hortelãs e as videiras, e com sentimento de culpa por estar pisoteando as hortelãs e sentindo o cheirinho delas sendo maceradas pelos meus pés que tinham de estar ali para melhor me aproximar das amoras que estavam saltitando aos meus olhos, prontas para serem colhidas e degustadas, pois são saborosas demais. Enquanto colho vou comendo de acordo com minha vontade e necessidade – as amoras tem muitas propriedades medicinais e alimentícias, valendo todo o esforço para colhê-las sofrendo fortes e grandes arranhões para chegar até o lugar onde estão se exibindo com aquela sua cor roxa quase preta – e colocando as demais no pote – que na semana passada era pequeno pois a colheita ainda era pouca, agora aumentou consideravelmente – e buscando todas que enxergava para colher o máximo que podia sem desmerecer nenhuma delas, porque elas poderiam se ressentir e não mais florescer e não darem-me o prazer de colher e comer desses frutos deliciosos e saudáveis, sem agrotóxico.

O pote estava enchendo e eu nem tinha ido para o outro seguimento onde tinham tantas mais se expondo a mim, ansiosas para que eu as escolhesse para colhê-las. Eu converso com elas, avalio como estão – algumas ainda vermelhas, que em mais algumas horas já estarão prontas para serem colhidas, algumas maduras demais, pois no dia anterior devo tê-las ignorado por não tê-las visto (essas eu atiro para as galinhas que ficam na espreita, todas no portão esperando por alguma que será atirada para elas), então digo para elas que vou colhê-las logo mais. Sigo na colheita, levantando alguns galhos cheios de frutos que ainda amadurecerão nos próximos dias. Elas se escondem, por não se acharem dignas de serem colhidas, embaixo das folhas e dos galhos cheios de espinho, então os levanto, arranhando-me os braços e mãos, na busca de alguma escondida que não consegue se desvencilhar daquele galho e daquela folha imensa que a impede de se mostrar. Vem o pensamento: todas merecem serem colhidas. Vejo algumas bem perto ao muro, olhando pra mim, implorando para que eu as colha. Vou entrando com minha mão e braço se desvencilhando daqueles galhos espinhosos, arranhando e fazendo sentir a ardência dos espinhos sobre minha pele. A função deles, dos espinhos, é proteger seus frutos dos predadores naturais, embora eu não seja. Vou vagarosamente entrando até chegar perto delas que se atiram aos meu tocar e sorrindo vem parar na palma de minha mão felizes por terem sido resgatadas e cumprirem sua função, seu objetivo por estarem ali. Nasceram para isso – eu logo penso (por isso estou escrevendo) que todo ser vivo tem sua função, seu objetivo, não só o ser humano, mas o mais problemático de todos para conseguir atingir os seus é o ser humano, muitos precisam até de acompanhamento psicológico para alcançar o que a natureza já nos dá, basta colocarmos em prática com força de vontade e animação, pensamentos positivos e cabeça erguida.

A colheita continuava e já não visualizava nenhuma amora a ser colhida. Dei um passo largo até um ponto que não tinha muitas hortelãs (aliás, lindas, enormes, vistosas), e para me desvencilhar das hortelãs, esqueci de abaixar a cabeça para não ser arranhado pelos galhos da videira, cheios de cachos de uva que estão se desenvolvendo e com o peso de tantos cachos que estão surgindo, estão caindo da trama de fios que fizemos para que elas pudessem se espraiar. Senti o arranhar da minha pele na careca – sem boné, sempre esqueço desse detalhe, e sempre me arranho nessa incursão – a ardência sentida mas não tão forte que me impedisse de seguir em frente – dei uma alisada na careca e já avistei muitas amoras se mostrando para mim. Imediatamente já fui em busca daquelas lindas amoras.

Quando me arranhei ao passar para o outro seguimento, me veio o pensamento de que nossa vida é assim: estamos sempre em busca de algo, estamos sempre querendo mais e para conseguirmos esse mais, temos que mudar de lugar, de ambiente, de situação e tudo o que é novo é passível de corrermos riscos de nos machucarmos – eu fui colher mais amoras e me arranhei, mas não foi esse arranhão que me impediu de seguir em frente, continuei, encarei e segui em frente, porque meu objetivo era colher todas as amoras maduras. Não iria comê-las todas, mas as congelaria para fazer geleia, sempre temos que encarar o difícil, sair da nossa zona de conforto para termos aquilo que queremos, precisamos e necessitamos superar as adversidades que se apresentam ao longo desse percurso.

A colheita continuava farta assim como meus pensamentos borbulhando dentro da minha mente. Agachei-me para ver se tinha mais alguma para colher e avistei lá dentro do emaranhado de galhos e espinhos uma que me chamava para colhê-la, mas ela não era viçosa, era pequena e até achava que estava fora do ponto, mas fiquei angustiado em deixá-la para trás e enfrentei as intempéries da vida e fui na batalha da salvação daquela amora quase perdida, abandonada. Os espinhos, mesmo tentando tirá-los do caminho iam rasgando meus dedos, meus braços, não muito forte, porque ia suavemente exatamente para que a agressão não fosse tão danosa. Estava me aproximando dela e ao tocá-la ela atirou-se sobre meus dedos, livrando-se do seu caule que a segurava e a mantinha viva na expectativa de alguém vir colhê-la. Após a colheita dessa, olhei analiticamente para a rama total e mais nada havia para colher.

Ufa, acabei a colheita dentro do pátio, mas lá no outro lado, no outro pátio, baldio, tomado de arbustos, a danada da amoreira estendeu seu domínio, se esgueirando por debaixo do muro, que tem mais de meio metro de pedras de sustentação e invadiu grandiosamente aquele matagal e frutificava de maneira esplendorosa, com enormes frutos – maiores do que os meus – e espraiados. Fui até a um acesso do muro mais baixo (cavalos que colocavam ali para pastar com suas forças arrancaram os tijolos do muro). Saltei o muro e me adentrei naquele matagal, afastando muito mato, muitos arbustos para chegar até o reduto das amoras.

Ao chegar no reduto das amoras, meus olhos brilharam porque eram muitas e muitas imensas amoras. Comecei a colheita e novamente me veio o pensamento de como, muitas vezes na nossa vida temos que fazer algo difícil, que pensamos nem sempre ser possível, para alcançarmos o que queremos – quero fazer geleia para dar para amigos ou até vender, mas sinto prazer em dar porções para amigos da geleia que faço com frutas do meu pátio, da minha colheita – mesmo enfrentando situações que possa me proporcionar riscos (já me disseram para não ir para aquele pátio porque pode ter cobra ou algum animal ou inseto e... e realmente tinha uma teia enorme, com várias aranhas bundudas, marrom. pedi licença para elas e resgatei as amoras que estavam ao redor da teia) mas devemos enfrentar para conseguirmos ter regozijo por aquilo que realizamos. A satisfação em conseguir é maior do que qualquer perigo. Continuava a colher e o pote enchendo-se de imensas amoras. Várias já apodrecidas eu atirava lançando o mais forte que conseguia para as galinhas que estavam no outro pátio. Escutava a correria e o cocoricar delas indo em direção à fruta onde caía, e aquela felicidade delas era a minha felicidade de conseguir dar para elas o que elas gostavam.

Fui para mais adiante, me embrenhei afastando todo tipo de arbustos e cipós e mato e ervas boas para chá, em busca das amoras que se mostravam radiante para mim.  A colheita era farta. Renderia uma boa porção.

Ali, nesse pátio o mais difícil era afastar o matagal, mas a colheita era mais fácil pois os galhos não estavam entrelaçados como lá no meu pátio. Novamente pensei como as dificuldades da vida acontecem por não termos espaço para nos desenvolver. Muitos talentos, muitos com potencial, não conseguem se desenvolver porque não tem espaço, não encontram seu espaço, não lhe dão espaço, oportunidade, não são vistos – assim acontece com as amoras, bem como com todas as frutas e animais, mais ainda com os seres humanos, que sofrem a desigualdade, o preconceito, a inveja e tantos outros sentimentos oriundos e próprios dos seres humanos.

A colheita estava chegando ao fim, dei mais alguma olhada e percebi que já estava tudo colhido e outro dia voltaria para colher mais.

Cheguei na cozinha, peguei a balança e pesei: um quilo e cento e trinta gramas (1,130kg). Rendeu. Vou lavá-las, comer o que puder, selecionar algumas para dar às galinhas e as demais juntar-se-ão às demais que já estão congeladas (por volta de um quilo também). Vou fazer bastante geleia ao final da colheita que acontece lá em janeiro. Fui lavar os braços para tirar a sensação dos rasgos pelos espinhos. Ao terminar de escrever no computador percebi que estou  com a bermuda cheia de pega-pega.

JOSÉ FERNANDO MENDES – 11h11 – 13/11/2025

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