UM CAVALO, UMA CARROÇA, UM HOMEM E UMA CRIANÇA
UM CAVALO, UMA CARROÇA, UM HOMEM E UMA CRIANÇA
Acabei de presenciar, da janela
do meu quarto, uma cena linda, singela e incrivelmente maravilhosa, em se
tratando dos dias de hoje, onde não mais dão valor às coisas da natureza,
optando pela praticidade, conforto, rapidez e até mesmo status de um carro.
Cheguei na janela do quarto para
ver o motivo do alvoroço dos cachorros, que não precisa muito para ficarem
enlouquecidos e latindo alucinadamente, e eis o motivo: vinha adiante, mais na
esquina – minha casa localiza-se bem no meio da quadra – uma carroça. O som do
galopar do cavalo ecoava forte e firme sobre os paralelepípedos já desgastados
e irregulares da rua calçada há mais de 50 anos. Fiquei esperando a chegada até
meus olhos daquela carroça, nem sei porque, mas fiquei, e pude presenciar uma
belíssima cena de um homem com uma criança sentados no banco da carroça – não
observei se havia algum tapete, tecido que seja sobre o banco para acomodar
aquela criança, mas pude perceber e me deixou feliz o semblante de felicidade,
de satisfação daquele menino em estar com aquele homem ao seu lado, provavelmente
seu pai, pela demonstração de carinho, pela maneira como ele se dirigia ao menino,
sorrindo, passando a mão em seu rosto, ajeitando o capuz delicadamente em sua
cabeça para protegê-lo do chuvisco, enquanto a outra mão segurava as rédeas do
cavalo que galopava um galope cadenciado, lindo reforçando mais ainda aquela
cena tão difícil de se ver nos dias de hoje.
Vejo carroças diariamente
passando pela rua, mas aquela era diferenciada. Fiquei encantado em ver aquela
demonstração de carinho de um pai levando seu filho, de uns quatro ou cinco
anos, talvez a trabalhar com ele, ou talvez, dar uma passeada naquela carroça
bonita, bem cuidada, pintada – não lembro as cores, mas estava pintada –
percebendo-se que o carroceiro era caprichoso, coisa rara de se ver. O cavalo
mesmo com o chuvisco que está caindo há dias, quase a semana toda, com muita
chuva, e neste momento que presenciei eles passando, mesmo assim seu pelo brilhava,
reluzia com os pingos da chuva mostrando ser bem cuidado; suas ancas a cada
galope no calçamento de pedra mostrava o movimento de carne com musculatura
reforçada e não apenas ossos com a pele sobre eles, como a maioria se vê. Era
um cavalo lindo, bem cuidado e pelo seu galopar, era feliz, assim como aquele
pai conduzindo seu filho para um passeio, ou trabalho, para mostrar ao filho,
não o seu futuro, porque provavelmente esse pai não vá querer que seu filho
seja carroceiro, mas o quanto aquilo que ele faz é importante e necessário e o
quanto ele valoriza o que faz para sustentar sua família de forma feliz e
realizado.
Percebi naquela singeleza dos
gestos de carinho – atualmente é raro de se ver uma demonstração de carinho e
conversa entre pai e filho, principalmente com tão pouca idade, pois os homens
com sua ignorância de macho acham que as crianças não entendem e por isso é
inútil falar com eles – mas ele não. Aquele pai cuidava de seu filho, conversava
com sorriso nos olhos com seu filho, provavelmente explicando para o menino,
algo muito importante, imagino eu que sobre o cavalgar do cavalo, sobre a
situação daquele passeio, dizendo a ele o quanto ele estava feliz e satisfeito
por estar carregando junto dele seu filho amado, que, pela expressão de seu
rosto, o brilho dos seus olhos que reluziam, o sorriso expresso em seus lábios
que se comprimiam reagindo ao que seu pai lhe dizia, tuda estava sendo
registrado lá no fundo do seu inconsciente. Tudo irradiava felicidade. Tenho
certeza que esse menino nunca mais vai esquecer esse momento de convívio com
seu pai. O tempo vai passar, ele pode até vir a esquecer na memória diária, mas
lá no fundo do seu coração, do seu pensamento, estará esse momento fazendo a
diferença em sua vida e no seu modo de ser como pessoa.
Aquele momento era único, era
especial demais para eu deixar passar em branco e não registrar. Gostaria de
ter tirado uma foto, mas foi uma cena tão rápida que vi tanta magia e tanta
beleza que nem pensei em foto, mas logo vim para o computador escrever sobre
essa cena que vai ficar para sempre no meu pensamento. Essa cena foi rápida,
menos de um minuto talvez, não contei, mas o suficiente para me fazer viajar
por muitas situações e uma delas é lembrar do meu filho mais novo que adorava
cavalo quando pequeno – e ainda gosta, claro, mas a situação agora é outra
- e ele, aos cinco anos queria que eu lhe
desse um cavalo que ele pronunciava bagalo, e insistia tanto que cheguei até a
cogitar, pesquisei preços e possibilidades, mas onde morávamos não aceitariam
terem um cavalo com seus cheiros característicos – as pessoas estão cada vez
mais intolerantes – além dos cuidados que ele, por ser pequeno não conseguiria
ter, e eu atarefado demais, não tendo tempo nem de ficar em casa com ele, muito
menos cuidando de um cavalo, acabei contornando a situação de outra forma,
dando-lhe um coelho filhote que ficou enorme, gigante.
Tudo isso se passou na minha
mente instantaneamente, como um gatilho por presenciar a cena de um pai feliz,
e o que mais me chamou atenção foi o pai, um homem jovem de uns trinta a trinta
e cinco anos, com toda aquela disposição de conversar com seu filho. A raridade
da cena me fez escrever essa crônica pois merecia o registro, não só por ser
numa carroça bonita, com um cavalo bem cuidado, mas pela felicidade de um pai
com seu filho e a conversa com muita leveza e intimidade entre eles. Todos os
pais deveriam agir dessa maneira com seus filhos, com mais conversa, mais
contato, mais demonstração de amor. Não se demonstra amor dando presentes aos
filhos para substituir a falta de atenção, mas com gestos simples se consegue
transmitir o que eles realmente precisam.
JOSÉ FERNANDO MENDES – 20/6/2025
– 11h22
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